“Deus me Revelou…”
Por toda a minha vida cristã eu tenho ouvido outros crentes usarem a expressão “Deus me revelou”, ou alguma coisa parecida. Certa vez, minha esposa contou-me que, alguns anos antes de nos conhecermos, um jovem crente lhe disse que Deus revelara a ele que ela era a moça com quem se casaria. Não preciso dizer que não era.
Da mesma forma, em outra ocasião, um jovem me disse que Deus havia lhe revelado que o meu carro (que na época estava à venda) estava reservado para ele. Ele correu para me informar que não tinha o dinheiro para pagar o preço pedido, mas que apesar disso, Deus tinha lhe dito que o carro seria seu. Para mim foi um tanto engraçado, e possivelmente um pouco desconcertante para ele, quando eu telefonei algumas semanas mais tarde para dizer-lhe que o carro havia sido vendido a outra pessoa que, na providência de Deus, possuía a quantia pedida.
Em outra ocasião, eu estava em um debate teológico com um velho amigo missionário. Enquanto trocávamos versículos e pontos de vistas em nossas cartas, meu amigo missionário finalmente me confidenciou que ele defendia o seu ponto de vista daquela maneira porque, como ele próprio disse: “Foi como se Deus tivesse me dito”. Para reforçar ainda mais seu argumento, ele acrescentou que tal fato (como que uma aparente mensagem de Deus) havia acontecido somente umas vinte vezes em toda a sua vida cristã. Naquele tempo, achei tal argumento difícil de refutar, embora eu continuasse pensando que a sua compreensão do assunto em questão estivesse em desacordo com a Bíblia.
Há muitos outros exemplos. A maioria de nós os temos experimentado. Pessoas se levantam na igreja e anunciam: “Eu tenho uma mensagem de Deus!”. Outros deixam seus empregos e vivem uma vida de ascetismo porque quando estavam presos no trânsito ouviram o locutor de rádio anunciar algum produto e entenderam isso como sendo uma palavra pessoal de Deus para eles. O que devemos fazer com tudo isso? Existe uma fonte inspirada de revelação à parte da Bíblia? A revelação divina, como dizem alguns, ainda continua? Esses que ouvem tais mensagens são mais santos do que o resto de nós? E o que dizer daqueles que têm uma “mensagem do Senhor” que não se realiza? Teria o Deus onisciente se enganado?
No Antigo Testamento a palavra do Senhor vinha pelo Espírito de Cristo (1 Pe 1:11) que falava através dos profetas (Hb 1:1). Falsos profetas, aqueles que falavam por sua própria iniciativa, sem que o Senhor lhes ordenasse, eram condenados à morte (Dt 18:20, Jr 14:15, Zc 13:3). Esta era uma punição severa e definitiva para dissuadir aqueles que quisessem se jactanciar falando coisas vãs em nome do Senhor, com o intuito de serem seguidos pelos homens. Isso também ajudou a preservar a verdadeira palavra de Deus, visto que as falsas profecias não foram mantidas como revelação divina, muito embora tenham sido registradas nas Escrituras pelos verdadeiros profetas de Deus.
No Novo Testamento, Deus falou ao Seu povo através do próprio Senhor Jesus Cristo (Hb 1:2), e subseqüentemente através dos apóstolos e profetas (Ef 4:11,12). O apóstolo Pedro reconheceu os escritos do apóstolo Paulo como Escritura (2 Pe 3:15,16). Paulo reconheceu os escritos de Lucas como Escritura (1Tm 5:18, cf. Lc 10:7), e assim por diante. Entretanto, nem todo aquele que reivindicava o apostolado era apóstolo. Paulo reconhecia que havia falsos apóstolos (2 Co 11:13), e João advertiu seus leitores contra muitos falsos profetas que já haviam começado a aparecer (1 Jo 4:1). Finalmente, o Espírito Santo nos atesta a autenticidade das Escrituras (1 Co 2:11,12).
A Bíblia é um livro completo, um livro terminado, não um caderno daqueles que se pode adicionar mais páginas. Nós não continuamos a receber páginas adicionais para inseri-las em novos capítulos à medida que são impressas. A Bíblia é o registro da revelação específica de Deus para o homem. A natureza é uma revelação de Deus para o homem (Rm 1:20) e ela ainda continua a revelar, mas é insuficiente como uma base para se conhecer a vontade específica de Deus. Por exemplo, quem poderia inferir da natureza a monogamia, a queda do homem ou a nossa necessidade de fé em Cristo? E devido à natureza soberana de Deus, Ele, na Sua providência, preserva a Sua palavra através da história (Mt 5:18).
Deus entregou a Sua palavra aos judeus, não somente àqueles que creram, mas aos judeus como uma raça, um povo (Rm 3:1,2). Os judeus eram o povo escolhido de Deus (Dt 7:6). Mas essa condição especial mudou, visto que eles rejeitaram o Senhor Jesus Cristo como seu Messias (Jo 19:15, Mt 21:33-45). A transição completou-se no ano 70 depois de Cristo, quando os romanos destruíram o templo junto com o resto de Jerusalém. Esse foi o sinal definitivo de que Jesus estava reinando dos céus e de que os judeus não eram mais, como nação, o povo escolhido de Deus (Mt 24:2-30; Mc 12:1-9; Lc 20:9-16; Rm 2:28,29). Por conseguinte, não havia mais um sistema estabelecido de escrituração da palavra revelada de Deus. Tanto Daniel como Paulo profetizaram que a revelação haveria de cessar (Dn 9:24; 1 Co 13:8). De fato, Daniel indicou que a revelação de Deus seria encerrada com a destruição do templo que existia na época de Cristo (Dn 9:26).
Mas, por que Deus não concederia uma palavra de revelação para o Seu povo, a Igreja, nos dois mil anos depois da encarnação de Cristo? Simplesmente porque Ele já havia revelado o que é necessário à vida e à piedade (Dt 29:29; 2 Pe 1:3). Deus várias vezes advertiu severamente o Seu povo a não acrescentar nada à Sua palavra (Dt 4:2, 12:32; Pv 30:6; Ap 22:18,19). Acrescentar qualquer coisa ao que Deus já disse é negar a auto-suficiência da Bíblia (e assim dizer que Deus é mentiroso) e exaltar a vã imaginação humana a um nível divino, contrário às Escrituras (Is 55:8,9).
“Deus me revelou” pode ser aceitável se for seguido por um capítulo e versículo da Bíblia. Certamente ir além disso é arrogância humana da pior espécie e deve ser chamada do que realmente é — heresia. Como povo de Deus, nós devemos humildemente nos limitar àquela Palavra que Deus tem revelado a todo o Seu povo desde os tempos dos apóstolos, aos sessenta e seis livros da Bíblia e a nada mais.
“Deus me revelou” isso? Não!
Autor: Patch Blakey
“God Told Me” – Credenda & Agenda Volume 9, number 2
Revista Os Puritanos , ANO V – N° 7 – Novembro/ Dezembro – 1997.
Extraído do site Monergismo
Este artigo é parte integrante da série Fuja do Pentecostalismo.