Na igreja, convivemos com os fariseus (leia aqui). Agora, veremos um outro grupo, daqueles que têm o nítido interesse em corromper a fé cristã, os apóstatas. Há muitos trechos na Escritura que os descrevem, mas, especialmente, analisaremos 2Tm 3.1-7.
Paulo inicia falando dos tempos trabalhosos que sobreviriam nos últimos dias (v.1). Essa é uma nítida evidência de que estamos diante de uma profecia. Muitos alegarão que ele está a predizer um futuro distante, o que é verdade. Mas, especificamente, ele escreveu a Timóteo, o seu “verdadeiro filho na fé” (1Tm 2), ou simplesmente “meu amado filho” (2Tm 1.2); com o objetivo de instruí-lo e exortá-lo a permanecer na “fé não fingida que em ti há” (2Tm 1.5). Portanto, Timóteo estava sendo alertado quanto aos filhos de satanás que se infiltrariam na Igreja a fim de perverter o Evangelho, causando estragos à fé. Como dupla profecia, ela serviu de alerta para Timóteo e os irmãos da Igreja Primitiva, quanto para todos os crentes em todos os tempos. Logo, é um aviso para nós também, o qual não pode ser negligenciado nem desprezado.
Os tempos difíceis referem-se não ao ataque externo, daqueles que odeiam a fé cristã, e estão dispostos a persegui-la, destruí-la se possível; mas ao ataque sutil, malévolo, engenhoso, daqueles que se dizem crentes, têm um comportamento parecido com o de um crente, muitos se comprometem com a Igreja, até mesmo professam algumas verdades, mas, em seu íntimo, têm a mesma aversão e ódio que os de fora, e o intuito é o de igualmente destruir a fé cristã.
São traidores, ardilosos; lançam discórdias, plantam dúvidas, suspeitam de quase tudo, espalham uma crença vacilante com o propósito de implantar na Igreja a perplexidade, a ambigüidade; fazer a fé cristã parecer menos a revelação divina e mais um amontoado de pontos indistintos; claramente dispostos a engendrar a confusão, o ceticismo, a rejeição à Palavra. Ao dar ouvidos a espíritos enganadores e a doutrina de demônios, têm a consciência cauterizada, e se entregam a proclamar a mentira (1Tm 4.1).
Eles trabalham como se fossem “missionários” satânicos, a espalhar o anti-evangelho, convocando nas fileiras de bancos das igrejas uma nova tropa de apóstatas que se unirão a eles e batalharão pela guerra perdida do seu general, contudo, sem deixar de fazer sérios e grandes estragos.
É interessante como esse processo se dá:
1- A pessoa ouve a mensagem do Evangelho.
2- Ela entende e compreende a mensagem. Do ponto de vista intelectual ela é capaz de estabelecer os vários pontos da doutrina cristã de forma correta.
3- Ela professa aceitá-la. Muitos dão testemunhos da sua fé, são batizados, participam da Ceia, e têm cargos de liderança na igreja. Ganham a confiança e o respeito quando, na verdade, são desrespeitosos e desconfiam de tudo e de todos.
4- Por fim, depois de algum tempo, rejeitam o Evangelho.
O estado final deles é o qual Pedro relatou em sua segunda epístola. Prometem liberdade quando são servos da corrupção. E após terem escapado da depravação do mundo, pelo conhecimento do Senhor Jesus, envolvem-se novamente nela, “e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior do que o primeiro. Porque melhor lhes fora não conhecerem o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado; deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: o cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama”(2Pe 2.20-22) [1].
Eles fingem-se cristãos para solapar o cristianismo; o que os torna ainda mais reprováveis, deploráveis, repugnantes, pois dizem amar o que odeiam, e estão dispostos a tudo para sabotar a verdade, subvertendo-a; utilizando-se da própria terminologia bíblica para adaptá-la à mentira, e assim, inventar outro evangelho, redefinindo as doutrinas cristãs segundo os seus padrões de malignidade, corroborado pelo silêncio tolerante da igreja em nome do falso amor.
No fundo, são o que Judas sintetizou: “Se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo” (v. 4). Mas, por que não são notados? E se são, por que a igreja permite-se ser envenenada?
1- Porque a maioria não conhece ou não se interessa em conhecer o Evangelho. Como anti-bereanos, deixam-se levar por todo o vento de doutrina, “pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4.14).
2- Porque a igreja amou mais dar satisfação ao mundo do que a Palavra e a si mesma. Amou mais as trevas do que a luz (Jo 3.19).
3- Porque a igreja não está disposta à autocorreção. Estão tão inchados em sua vaidade, ou são tão covardes em reconhecê-la, que não se dispõem a disciplina bíblica. Com isso os rebeldes estarão livres para lançar as sementes da dissolução, adubá-las, regá-las, e colher os frutos para satanás. Antes, já é tempo do julgamento começar pela casa de Deus (1Pe 4.17).
4- Porque a igreja desistiu de batalhar pela fé uma vez dada aos santos (Jd 3); e decidiu não resistir mais, ao banquetear-se com o inimigo, recebendo o galardão da injustiça (2Pe 2.13), e apascentando-se a si mesma sem temor (Jd 12).
Dizem “paz, paz, quando não há paz” (Jr 8.11).
Desfraldamos a bandeira branca ao inimigo, convidamo-lo para celebrar o armistício; chegamos mesmo a deixar que governe a nossa casa; entregamos nossas armas; deixamos que desfrute dos nossos tesouros para, como bem-treinado terrorista e espião, atacar sutilmente e deteriorar a verdade, introduzindo fraudulentamente os desvios, os subornos que induzirão ao motim dentro da igreja.
“Tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela… que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade” (2Tm 3.5,7).
Eles simulam piedade quando, na verdade, negam-na completamente na vida prática, pois não têm o menor desejo ou intenção de se afastarem dos seus pecados. Por mais que seja revelada a verdade, por mais que a vejam, ouçam, ela lhes será inexpugnável, seus ouvidos continuarão surdos, seus olhos cegos, suas mentes obliteradas, seus corações duros como pedras. “Como está escrito: Deus lhes deu espírito de profundo sono, olhos para não verem, e ouvidos para não ouvirem… a fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração. E se convertam. E eu os cure” (Rm 11.8; Jo 12.40).
Hoje, para escândalo do Evangelho, muitos ditos “irmãos” sequer se preocupam em manter as aparências. Eles não agem sutilmente, nem dissimuladamente. São explícitos e diretos em sua pecaminosidade. Fazem questão de mostrá-la em alto e bom som para que todos vejam o quanto a sua alma é degradada; e batem no peito, garantindo que não mudarão, que terão de ser “engolidos” assim como são. Demonstram claramente a que vieram, e porque estão ali: a arrogância e o desprezo a Deus. São verdadeiros “caras-de-pau”, mas ao menos conhecemo-los o suficiente, pois não deixam nenhuma dúvida quanto aos seus caracteres ímpios. “Destes afasta-te” (2Tm 3.5). Mas, e quanto aos educados, tolerantes, encantadores, agradáveis, e revestidos de uma áurea inocente, com suas frases cheias de citações bíblicas, aparentando-se espirituais? Não são os mais difíceis de serem detectados? Aparentemente, sim. Contudo, Paulo os descreve precisamente: “estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé” (2Tm 3.8).
Quanto mais nos afastarmos da Bíblia, como a revelação divinamente inspirada de Deus; quanto mais nos envolvermos com os conceitos anticristãos; quanto mais dermos ouvidos às sandices do mundo, tendo a necessidade de nos justificar perante ele e de mantermos uma “aliança” perigosamente mortal; enquanto considerarmos que o homem do presente século é muito diferente do homem de dois mil anos atrás; enquanto nos enganarmos com as promessas de que os tempos são outros, e de que a verdade pode ser relativizada e contextualizada ao ponto de não se crer na infalível palavra de Deus; enquanto não resistirmos a todas as tendências imorais, antiéticas e voltadas unicamente para os deleites do homem, como o objetivo premente, à revelia dos princípios bíblicos; enquanto a fé for subjetiva em detrimento da objetividade do Evangelho; enquanto estivermos mais preocupados com as aparências do que com os fundamentos; enquanto estivermos adormecidos, e os agentes do mal labutando; enquanto… Seremos facilmente enganados até ao ponto em que não reconheceremos mais a verdade, e seduzidos pelo engano, teremos a mentira por fé.
Portanto, a Escritura, e somente ela, é a única capaz de revelar o inimigo, suas táticas, e a maneira segura de pô-lo em retirada.
Somente assim não seremos confundido, “porque tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança” (Rm 15.4).
Não se deve desprezar o inimigo, mas deve-se saber que, por Cristo, ele já foi e está vencido (Cl 2.15).
Os tempos são difíceis, porém, gloriosos.
Os tempos são trabalhosos, então, mãos-à-obra; porque “grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos” (Lc 10.2).
Nota:
[1] Sem entrar na questão da Perseverança dos Santos, Pedro não está dizendo que o crente, aquele que foi regenerado pelo Espírito Santo e salvo eternamente por Cristo, possa apostatar da fé. O texto analisa aqueles que ouviram a mensagem do Evangelho, professaram a fé cristã, mas, em algum momento, consideraram haver alguma injustiça no caminho da justiça e alguma mentira no caminho da verdade. Desta forma, estão a provocar Deus, e se voltam como cães adestrados pelo diabo a lamber o próprio vômito, ou seja, a volta à vida pecaminosa e da qual, por algum tempo, se afastaram. Assim, estarão aptos a receber o galardão da injustiça ao deleitarem-se em seus enganos.