Não sei porque, cargas d’água, decidi fazer este pequeno texto sobre o determinismo. Espero ainda realizá-lo de forma ampla, explicativa, e que possa eliminar as dúvidas dos que questionam essa doutrina. Este é apenas um resumo mal-acabado do que penso e, por isso, caso esqueça-me, reitero que o determinismo bíblico é plena e claramente verdadeiro, lógico e racional. E de que não tem nada a ver com o fatalismo filosófico ou de outras cosmovisões, como alguns insistem e não se cansam de afirmar, tal qual o operador de máquinas aperta porcas e parafusos sem ferramentas, porcas ou parafusos… atarrachando o vento.
Antecipo, primeiramente, o meu conceito de determinismo, como sendo todas as coisas, materiais e espirituais, seja a natureza, atos, vontade, pensamentos, etc, subordinados ao eterno decreto de Deus. Em linhas gerais, toda a criação está sujeita à vontade decretiva e providente de Deus. De tal forma, que se uma folha cair, é porque Deus determinou que caísse. Se não, é porque Deus determinou que não caísse. De tal forma, que se escolher um sorvete de laranja ao invés de um sorvete de coco, é porque Deus determinou até mesmo essa escolha. Seja nos eventos complexos ou nos mais insignificantes, eles somente acontecem pela vontade divina.
Sou o que se pode alcunhar de determinista absoluto ou radical; porque, por mais que leia a Escritura e raciocine sobre inúmeras questões levantadas em suas páginas, não vejo maneiras do homem se desvencilhar do controle divino; não há a menor hipótese do homem ser livre de Deus, ao ponto de fazer qualquer coisa sem que o Todo-Poderoso tivesse pensado e decidido previamente que aconteceria. Para muitos, posso ser taxado de simplista ou reducionista, mas o fato é que o controle absoluto de Deus sobre todas as coisas em nada retira de mim a responsabilidade por minhas decisões, as quais são minhas, realizadas pela minha vontade, de maneira que se não as quisesse, não aconteceriam. Porém [e há um grande porém], se Deus não as tivesse decretado, eu jamais as quereria e realizaria.
No decreto eterno encontramos a descrição de todos os eventos acontecidos, que estão a acontecer, e que acontecerão na história, os quais não podem ser anulados, revogados ou transformados, pois, infalivelmente, Deus não somente os planejou mas também sustenta-os em todas as suas nuances, detalhes, essência e realização; e, inexoravelmente, cumprir-se-ão segundo a sua vontade; como estabeleceu na eternidade, antes da fundação do mundo.
Logo, qualquer conceito de liberdade, livre-agência ou compatibilidade entre Deus e o homem é somente aparente, não existindo de fato.
Como sugestão à reflexão, a história do Faraó e o endurecimento do seu coração por Deus é o exemplo mais emblemático do tipo de determinismo a que me refiro. Ainda mais emblemáticas são as mais de sessenta profecias sobre Cristo, apenas na crucificação. E elas estavam intimimamente ligadas às ações e pensamentos humanos. Todos infalivelmente decretados e pré-ordenados sem que nenhum dos personagens envolvidos pudessem fazer o que não fizeram, ou estivessem em condição de realizar algo à margem ou alheio ao que Deus determinara. Os acontecimentos estão intrisecamente ligados à vontade divina ao ponto em que, se apenas um deles não acontecesse conforme estabelecido eternamente, a vontade divina não se cumpriria, sequer existiria como vontade soberana, e uma cadeia de fatos surpreendentes trariam desordem e caos ao mundo, e teríamos fatos imprevisíveis, acontecendo incontroláveis, significando o que muitos sequer imaginam: a indeterminação das coisas e a quebra da ordem, culminando na não-soberania de Deus. Por isso, as profecias reveladas séculos antes se cumpriram: as suas vontades estavam em completa sujeição à vontade divina, indicando que partiram da mente onisciente de Deus, e se realizaram pelo seu onipotente poder de fazer tudo o que lhe apraz.
Da mesma forma, pergunto: como ficam passagens em que Deus diz cegar o homem? Para que vendo não veja, ouvindo não ouça, e não se arrependa? Como explicar o que o Senhor disse a respeito de Betsaida e Corazim? De que “se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza” [Mt 11.21]? Ora, se em Tiro e Sidom Jesus realizasse os milagres que fizera em Corazim e Betsaida, aqueles se converteriam e, portanto, o que aconteceu é que não houve pregação naquelas regiões, Cristo não fez milagres por lá, e eles não puderam se converter, porque não estava determinado que houvesse conversões entre eles. Cristo não fez milagres mesmo sabendo que, caso vissem, se converteriam; ao passo que preferiu pregar e operar milagres em Betsaida e Corazim, sabendo que não se converteriam ainda que vissem e ouvissem. Isso não pode ser somente presciência, mas o poder de Deus de condenar tanto uma como outra cidade.
O fato é que por onde Cristo não operou milagres capazes de levá-los à conversão, mesmo considerando que eles teriam olhos para ver, nada aconteceu porque esta foi a sua vontade; e nos locais onde operou milagres, cegou-lhes os olhos a fim de não verem, fechou-lhes os ouvidos a fim de não ouvirem, para que não se convertessem. Nenhum homem irá ao inferno sem que Deus queira. Isso é fato. E nenhum homem será salvo, livrando-se do inferno sem que Deus queira. Novamente, fato.
Outro fato inquestionável é que somos livres, se assim faz-nos sentir melhor. Contudo, a nossa liberdade está acorrentada à vontade e aos desígnios divinos, aos santos, perfeitos e eternos desígnios divinos, que até mesmo são capazes de levar à crença em… algum tipo de liberdade, ou qualquer outra coisa que Deus queira que acreditemos… e que ele nos dá acreditar que temos.
Fonte: Kálamos