“Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos.”
(Romanos 15:1)
“Eu, a sabedoria, habito com a prudência, e acho o conhecimento dos conselhos.”
(Provérbios 8:12)
Participei de muitos debates teológicos ao longo de duas décadas. Debates em grupos de estudos, em salas de aulas de escola dominical, em aulas de seminários e em formatos virtuais. Os debates presenciais são menos quentes e mais respeitosos (normalmente!), já os virtuais, talvez pelo distanciamento das pessoas, são mais quentes e desrespeitosos (nem sempre!). O fato é que há uma tendência no mundo virtual de demonstrar mais intolerância. A impulsividade e emotividade é mais quente no campo virtual. No início da minha fé e por um longo tempo debati demais com arminianos. Um amigo e pastor, em tom de brincadeira disse que nós éramos forjados em caldeira quente.
Confesso com tristeza que em muitos debates fui intolerante, explosivo, arrogante e um tolo insuportável. Eu era um pedante e deveria ser um pedinte. Não todo o tempo, mas muitas vezes. Aprendi bastante sobre os dois lados da moeda, entre ser intolerante e ser tolerante, como administrador do fórum virtual Monergismo. Tratava-se de um fórum de debates teológicos em língua portuguesa, dos mais quentes e visualizados. Milhares de visualizações, centenas de tópicos e discussões. Administrei por anos seguidos, discutíamos um grande volume de informações, era uma verdadeira arena com centenas de debatedores e dezenas de moderadores.
Debatíamos com ateus, católicos, mórmons, testemunhas de Jeová, adventistas e muitos arminianos, muitos! O fórum Monergismo é uma lenda na Internet com seus debates quentes. Como era um fórum confessional protestante calvinista havia muita discussão com grupos contrários. Havia muita gente que só observava o desenrolar dos debates, outros faziam perguntas sinceras, outras vezes os questionamentos carregavam em si uma má intenção ou artimanha, outros eram apenas blábláblás; era um campo minado; havia muito confronto, muitas vezes ásperos. Num campo minado, não poucas vezes o melhor caminho é observar os outros caminhando, para discernir onde pisar. Nesses embates nós como participantes experimentamos aspectos negativos e positivos. Havia muita pesquisa de textos e consultas de colegas mais experientes. Fizemos grandes amizades e adversários obstinados.
Confesso que aprendi muito, teologicamente, e muito mais em termos práticos sobre o comportamento humano e autorreflexão. Com certeza, na defesa da fé, ao longo do tempo de experiência ganhamos couro de teflon. O perigo era ficar insensível e desumanizado nos debates. Por parte de muitos debatedores havia uma disposição competitiva e desafiante, e muitos entravam em debates para ganhar e vencer, outros entravam para testar e colocar à prova seu sistema de doutrina; outros entravam somente para despejar suas heresias e cair fora; e outros com a simples intenção de aprender ou aumentar seu conhecimento. E nesse fogo cruzado, todos os dias, por meses seguidos estavam os novos na fé e os irmãos em Cristo mais fracos.
Mesmo sabendo que ali era uma arena de debates e não um chá de senhoras ou uma sala de aula de escola dominical para iniciantes, nós tínhamos a consciência que precisávamos ter muita sabedoria, inteligência, entendimento e discernimento para não girar a metralhadora para todos os lados. Era uma grande responsabilidade. Podemos ferir muita gente e também colher bons frutos. Lendo um antigo livro chamado O Caniço Ferido de Richard Sibbes, percebi como Deus trata o nosso crescimento cristão. Deus nos ensina a cada dia a termos melhor discernimento. Ao longo deste texto tomei emprestado algumas das reflexões do autor Richard Sibbes, também conhecido como o Doutor da Alma, para ficar mais claro a minha experiência sobre apologética.
A maior lição que aprendi em debates, principalmente os virtuais, é que temos que ter mais misericórdia com os mais fracos (algo que não aprendi da noite para o dia!). Como cristãos nosso maior exemplo é o próprio Cristo que suportou as muitas fraquezas dos seus discípulos. De certo, o Senhor por vezes se mostrou duro em confrontar seus seguidores, mas certamente o fez em amor perfeito. Ele é o nosso padrão, nada menos! A misericórdia é a pluma, a severidade (e dureza) é o cajado, por muitas vezes necessário, mas aplicado com justiça e discernimento. Uma ovelha ferida precisa muito mais de cuidado, e não de uma cajadada! Onde há mais santidade, há mais moderação, sem prejuízo da piedade a Deus e ao bem dos outros. Vemos em Cristo uma maravilhosa combinação de absoluta santidade com grande moderação.
“Grandes poderes, grandes responsabilidades”, uma frase clássica da Marvel, que poderia ser bíblica*. Foi assim que o apóstolo Paulo fez com as forças poderosas da revelação da Palavra de Deus que recebeu. Ele, um seguidor exemplar de Cristo, ensinou que devemos suportar a fraqueza dos outros.
(Romanos 15:1)
“Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.”
(1 Coríntios 9:22)
O que aprendi nas arenas apologéticas: Que não devemos bombardear os mais novos na fé e os mais fracos com todo peso de teologia existente (como se fosse possível!). DEVEMOS OFERECER A ELES OS PONTOS FUNDAMENTAIS DA FÉ CRISTÃ. Devemos treiná-los e equipá-los PROGRESSIVAMENTE. Com PACIÊNCIA e MISERICÓRDIA. Para que eles possam aos poucos suportar a bagagem teológica de todo sistema. E muitas vezes fazemos o contrário! Sobrecarregamos os mais fracos com um peso insuportável e ainda exigimos que aguentem o peso. Não somos faraós com chicote na mão dando ordens para carregar pedras! Calma jovem! Muito cuidado para não pisar em um dos pequeninos do Senhor Jesus!
De modo geral, nos debates, esquecemo-nos de aproximar o mais fraco ao calor aconchegante do amor de Deus e do espírito voluntário de servir a este Deus maravilhoso. Antes de responder impulsivamente e sem misericórdia a quem nos questiona, lembre-se que ele pode está experimentando o seu primeiro amor por Cristo Jesus. E também devemos lembrar-nos do nosso primeiro amor, quando tínhamos menos conhecimento teológico, mas o nosso coração era mais quente em relação ao Senhor. O amor de Cristo nos constrange.
Há locais mais apropriados para debates mais quentes, como por exemplo, um seminário ou mesmo um fórum virtual, e mesmo assim devemos ter sempre o cuidado e a prudência cristã. Há locais que definitivamente não são lugares apropriados para discussões acaloradas, como uma escola dominical ou certos ambientes virtuais. Toda “disputa” entre cristãos-cristãos e cristãos-não-cristãos deve ser tratada com discernimento e justiça. Devemos nos esforçar para não ofender ninguém, e quando ofendido não reagir com ofensas, intolerância e arrogância.
Peça entendimento ao Senhor. Temos uma tendência pecaminosa de sermos compassivos com os nossos erros e severos para com os erros dos outros. Alguém já disse com propriedade que em mais ocasiões do que queremos admitir, grandes mediocridades às vezes acabam em posições de enorme responsabilidade. Precisamos ter muita paciência e misericórdia quando recebermos uma crítica, nem sempre as críticas são construtivas, mas temos que saber lidar com isso da melhor maneira que glorifique a Deus. Podemos assumir posições e não estar preparados para elas.
Devemos ter equilíbrio e moderação em tudo, muito mais em debates teológicos! Ser tolerante e paciente não significa que devemos encorajar que o mais fraco continue fraco ou em erros, pelo contrário, devemos trabalhar para que ele se fortaleça. Devemos discernir quem nos opõe e saber lidar muitas vezes com a cegueira do próximo, com a arrogância, a ignorância, a curiosidade, as armadilhas, a obstinação, a irreverência, a fraqueza e tantas outras características humanas. E lembrar que ainda temos muito disso ainda em nós como pecadores. Examinemos a nós mesmos.
Obviamente, há pessoas atrevidas e irreverentes que são intratáveis. Ainda assim somos ordenados a amar o nosso próximo, e isso começa com o senso de não fazer a ele o que não gostaríamos que ele fizesse a nós.
Quanto mais a gente se aproxima do conhecimento verdadeiro e da santidade de Deus, mais enxergamos a nossa falta de humildade, e nos arvoramos e inflamos, crescemos em orgulho por causa de algum talento. Esquecendo que o dom foi dado por Deus. Como é tolo quando alguém que se acha superior em erudição e é comparado a Cristo! “Eu sou o Senhor que vos santifico.” (Levítico 22:32). Deus não quer que apenas o conheçamos, mas que sejamos como Ele é! Assim como Deus é, seja! Esta é a Palavra que os profetas trouxeram para seu povo. Por toda Bíblia há o encorajamento à santificação.
Devemos ter cuidado com a cultura imediatista nos debates, tomar cuidado com a busca da glória pessoal, a fama, a gratificação e a autossatisfação. Devemos buscar a simplicidade e humildade contra a impulsividade, super confiança e emotividade.
Peçamos a Deus para saber usar com alguns, no momento certo, a doce misericórdia, a pluma, e com outros, um cajado. Muitos pecadores não são curados com palavras doces, mas um grande discernimento é necessário.
Como escreveu Richard Sibbes em O Caniço Ferido:
Tomemos cuidado para saber tratar com cada um, com os mais velhos e com os novos crentes. Há matérias que devem ser estudadas e assimiladas a seu tempo. Não se deve oferecer uma feijoada a uma criança que só toma leite.
Voltando aos conselhos dos antigos:
“Os embaixadores de um tão gentil Salvador não devem ser ditatoriais. Lembremos quão cuidadoso foi Paulo nos casos de consciência para não colocar uma armadilha sobre qualquer consciência fraca.”
– Richard Sibbes
Lembremo-nos, em nosso mundo globalizado temos vendavais de ventos de doutrinas por todos os lugares, e muita gente é analfabeta funcional e bíblica. Temos que ter muita paciência e discernimento. Nosso Senhor Jesus Cristo se rebaixou voluntariamente à nossa natureza. Paulo foi o teólogo mais profundo, mas veio como uma ama para os mais fracos (1 Tessalonicenses 2:7). Estes são os ensinos dos antigos puritanos.
“Cristo escolheu, para pregar misericórdia, aqueles que experimentaram a maior misericórdia, como Pedro e Paulo, para que pudesse ser eles exemplos do que ensinavam. Paulo tornou-se tudo para todos (1 Coríntios 9:22), rebaixando-se até eles para o seu bem. Cristo desceu do céus e esvaziou-se da majestade em suave amor pelas almas. Não desceremos nós de nosso elevado amor-próprio para fazer o bem a qualquer um? Devem os homens ser orgulhosos depois de Deus ter sido humilde?”
– Richard Sibbes
Sigamos o conselho dos antigos.
Não devemos atormentar as imaginações das pessoas com curiosidades ou contendas sobre dúvidas.
“Religião não é somente uma questão de inteligência, de se criar e resolver problemas teóricos. Os cérebros que se inclinam a esse caminho são, comumente, mais quentes que seus corações (…) Não devemos apertar onde Deus afrouxa, nem afrouxar onde Deus aperta, não abrir onde Deus fecha, nem fechar onde Deus abre.”
– Richard Sibbes
Há muitos que precisam de palavras suaves e confortadoras. Deus tem duas formas de tratar, com consolo (Isaías 40:1) e com trombeta (Isaías 58:1). Precisamos acima de tudo ter sabedoria para discernir. O equilíbrio da misericórdia e da severidade é difícil.
O alerta de Tiago é muito importante para o que temos tratado até aqui:
“Meus irmãos, muitos de vós não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo.”
(Tiago 3:1)
Este alerta parece que não está sendo muito aplicado hoje em dia.
As armas dessa batalha não devem ser carnais.
“Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas.”
(2 Coríntios 10:4)
Que o espírito de misericórdia que esteve em Cristo nos mova. Peçamos a Deus sabedoria para saber dizer “a seu tempo uma boa palavra” (Isaías 50:4).
*Nota de Fernando Frezza:
Acredito que uma mensagem parecida com a frase da Marvel mencionada se encontra em Lucas 12:48: “Mas o que a não soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá.”
Título original: A Pluma e o Cajado: A Defesa da Fé e o Espírito de Misericórdia
Fonte: Frases Protestantes