Há duas passagens referentes a dois personagens na Bíblia que revelam um Deus muito estranho, pelo menos diante da limitação humana, insuficiente para apreender a insondável profundidade do Todo Poderoso. Eu me refiro ao profeta Ezequiel (Ez 24:15-18), especificamente à morte de sua esposa, e a Oséias e seu casamento (Os 1).
No primeiro caso a passagem me parece literal e revela um Deus que, para cumprir os Seus desígnios, se vale das suas criaturas como bem lhe aprouver, segundo a Sua vontade e de acordo com os Seus projetos.
Ao que tudo indica, o profeta Ezequiel tem uma predileção especial pela esposa e companheira, nutrindo por ela grande amor e profundo enlevo, uma vez que Deus se refere a ela como a “delícia dos teus olhos” (Ez 24:15). E, não obstante, o Soberano vaticina ao profeta, sem nem mesmo lhe preparar o espírito para tão dura notícia: “tirarei a delícia dos teus olhos”.
A esposa amada será tirada sem que se apresente qualquer motivo ou justificativa. Grosso modo, não se trata de punição ou castigo, tampouco de um projeto previamente definido. Não há razão aparente para tal proceder, o que nos remete a Romanos 9:14-23: “quem resistirá à sua vontade? Quem poderá discutir com Ele? Quem dirá a Ele para ter ou não misericórdia?
O mesmo Deus que livra Israel dos seus inimigos é o Deus que pune. Não satisfeito em tirar a delícia dos olhos do profeta, Deus ainda lhe determina peremptoriamente: “…não lamentarás, nem chorarás, nem te correrão as lágrimas. Geme em silêncio, não faças lamentação pelos mortos, prende o teu turbante, mete as tuas sandálias nos pés, não cubras os bigodes e não comas o pão que te mandam” (Ez 24:16-17). Ou seja, o Criador está dizendo ao servo que lhe tirará a esposa amada, mas ele deverá se manter altivo, sem o semblante descaído, sem choradeiras e lamúrias, mas que continue trabalhando (mete as sandálias nos pés) como se a vida corresse normalmente.
No segundo caso, não se sabe se a passagem é de fato literal, ou se se trata de uma alegoria, uma vez que os estudiosos divergem entre si. O fato é que Deus, ao falar com Oséias, ordena que ele vá e busque Gômer, a prostituta, e com ela gere filhos. O Todo Poderoso não oferece qualquer alternativa, apenas determina: -Vá, busque a prostituta e com ela tenha filhos.
Se de fato a passagem bíblica for real, literal, e não apenas uma alegoria, Deus alinhava todo esse roteiro apenas para traçar uma analogia com a nação de Israel que houvera se ‘prostituído’, desobedecendo à Sua vontade, embora sendo povo escolhido, tornando-se ‘esposa adúltera’, corrompendo-se em crimes e imoralidades.
A conclusão a que chegamos, não somente pelos dois fatos colocados à lume, é que a soberania de Deus é absoluta. Ele usa as Suas criaturas como lhe aprouver, quando quiser e conforme a Sua vontade, sem prestar contas a ninguém. No entanto, Deus não faz nada aleatoriamente, nada que não obedeça a um plano preordenado. Pelos Seus atributos, Ele não administra o caos e nem é o seu autor. A nós, enfim, sendo Seus filhos, devemos tão somente obedecer, reconhecendo nEle toda a sabedoria, poder, soberania e amor. Nos submetendo à Sua vontade como massa nas mãos do oleiro.