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fe-e-sinaisAlgo evidente, e por demais evidente no evangelicalismo atual, são os sinais, ou melhor, a necessidade deles para se crer, para se ter fé. O pragmatismo tem-se difundido tanto em nosso meio que tudo o que não se pode ver, tocar, apropriar-se e exibir não funciona, logo deve ser descartado. Vivemos a época em que o material dita o espiritual, de tal forma que a vida neste mundo tem de ser uma prévia do sucesso a ser alcançado na eternidade. O imediato vira infinito; o temporal, eterno; o carnal, espiritual; assim como a dúvida se torna certeza; a tolice, sabedoria; o não-bíblico ganha contornos bíblicos, nem que seja na marra! Porém, fica a pergunta: isso é o Evangelho ou não passa de uma distorção do Evangelho, o contra-evangelho? A mensagem cristã travestida, corrompida, distorcida e rotulada pela mente humanista e seus valores decaídos?

Um rápido “passeio” pelas igrejas e ficará evidenciado o culto utilitarista; cuja motivação está fincada, estabelecida, nas ações, ou melhor, na eficácia delas, no sentido prático em que a fé resultará em benefícios objetivos, em ações visíveis pelas quais se conhecerá a verdade. Em outras palavras, a verdade é conhecida somente se for útil naquele momento ao indivíduo; a verdade somente pode ser conhecida pela experiência, sem a qual, não há o menor sentido [empirismo]. A coisa funciona mais ou menos assim: o indivíduo vai à igreja para buscar duas coisas: a primeira, que Deus satisfaça os seus desejos; a segunda, que seja rápido em satisfazê-los. O seu valor supremo resume-se na capacidade de Deus suprir e proporcionar prazer ao homem, e de evitar que ele sofra. Sempre tendo como ponto de partida a fé do homem, aquela em que o vitorioso a exibirá como um troféu, uma medalha pendurada no pescoço, a refletir os seus feitos. Nada a ver com a fé que nos foi entregue por Deus [Ef 2.8], e que foi uma vez dada aos santos [Jd 3].

Mas, o que vem a ser fé?

Segundo o Priberam: (latim fides, -ei) s. f. 1. Adesão absoluta do espírito àquilo que se considera verdadeiro. 2. Fidelidade 3. Prova. 4. Crença.

Segundo o Michaelis: sf (lat fide) 1 Crença, crédito; convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção. 2 Crença nas doutrinas da religião cristã. 3 A primeira das três virtudes teologais. 4 Fidelidade a compromissos e promessas; confiança.

E, segundo a Bíblia? “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem” [Hb 11.1].

As três definições não parecem harmônicas entre si? Paulo não está, de certa forma, corroborando a definição semântica que os lingüistas atribuem à palavra fé? E de que ela tem um valor pragmático-utilitarista? Implicando na legitimidade dos cultos e da vida cristã praticados atualmente pelos evangélicos? Será? O mesmo Paulo diz: “Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” [2Co 4.18]. E agora, o que lhe parece? Ele continua: “(Porque andamos por fé, e não por vista)” [2Co 5.7].

A questão é que muitos usam “e a prova das coisas que se não vêem” como a necessidade da fé produzir resultados, de tal forma que se eles não aparecem, não há fé. Mas, o que Paulo está a dizer é: a fé é a prova das coisas que não se vêem, porque andamos pela fé, não por vista. A fé é a prova, o testemunho da vida cristã, e a vida cristã é a prova da nossa fé; porque “todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as, abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra… em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos” [Hb 11.13; Rm 8.24-25].

Pois bem, o ponto é: tenho fé para ver, ou tenho fé para não ver? Se não ver, não tenho fé, ou mesmo não vendo, mantenho intacta a minha fé? Há uma velha onda que diz: posso tudo naquele que me fortalece, distorcendo a mensagem bíblica a fim de atender aos interesses escusos do coração. Com isso, querem dizer que, se tenho fé suficiente, posso tudo [e há de se definir o que venha a ser fé suficiente; e muitos dirão que ela será suficiente dependendo daquilo que se quer e se alcança, ou seja, o tamanho do objeto e consegui-lo é que definirá o tamanho da fé]. Mas vejamos o verso em que se baseiam: “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” [Fp 4.13]. Parece uma carta-branca dada por Deus para se ter o que quiser. Bastando escrever o que mais for aprazível, agradável. Porém, o que nos fala Paulo um pouco antes? “Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade… todavia fizestes bem, em tomar parte na minha aflição” [Fp 4.12, 14]. Alguém se candidata a subir no púlpito e defender que posso todas as coisas em Cristo, mesmo que seja na fome e a padecer necessidade? Ou a estar abatido? Ou a participar da aflição alheia? Se pode-se todas as coisas, elas não estarão restritas apenas ao que se considera benéfico dentro do padrão humano. Riqueza, posses, poder… a solução de todos os problemas imediáticos [1] não são os únicos itens abarcados por “todas as coisas”, mas também o sofrimento, a tristeza, a dor, a injustiça, a pobreza e tantos outros males. Paulo afirma claramente que Deus o sustentará em todas as situações, e de que ele viverá a fé cristã mesmo nas vissicitudes e reveses da vida.

Mais do que isso, ele chega a se gloriar em suas fraquezas, porque o poder de Deus se aperfeiçoa nela, a fim de que habite nele o poder de Cristo [2Co 12.9]. O que para muitos é sinal de fracasso, para Paulo é êxito, e assim deve ser para nós também. Devemos banir de nossas mentes o falso ensino de que a fé está atrelada ao sucesso, à riqueza, à cura, à prosperidade. Com isso, não quero dizer que pessoas de sucesso, ricas, saudáveis e prósperas não têm fé; mas de que o padrão bíblico de fé está muito além daquilo que temos, tocamos ou somos. Ele está no próprio Deus, o qual nos capacita a ter a fé verdadeira; não uma crença tola; não uma certeza no que é tangível apenas; não em reverter materialmente, numa contrapartida, o que cremos. Isso faz de Deus um negociante, e da fé uma mercadoria. Ao contrário, a fé sempre será uma relação de confiança em Deus por intermédio de Cristo, mas, sobretudo, uma relação de dependência, de submissão, de reverência, de temor a Deus; de reconhecimento da nossa frágil condição, de nossa miserabilidade e pecaminosidade diante dEle, o Deus santo e perfeito; da necessidade da sua graça e misericórdia, sem a qual sequer viveríamos, mas seríamos consumidos [Lm 3.22].

Portanto, não estou falando da fé como um conjunto de crenças; nem no assentimento intelectual puramente, como uma idéia ou conceito decorrente do estudo ou cultura; nem como a possibilidade do conhecimento divino a partir de evidências ou experiências emocionais e místicas; muito menos como a causa de resultados, ainda que proveitosos. A fé bíblica é a única capaz de fazer com que o homem reconheça o testemunho de Deus através das Escrituras, como o auto-testamento divino; nas certezas que somente podem ser vistas e entendidas por aqueles a quem Deus abrir os olhos para verem, e os ouvidos para ouvirem, e a dar-lhes entendimento para que creiam, se convertam e sejam salvos [Jo 12.40]. A fé é autenticada pelo próprio Deus, reveladas pelo seu Espírito, que no-la-deu para que pudéssemos conhecer o que nos é entregue gratuitamente por Ele [1Co 2.10-13]. Logo Cristo é o autor e consumador da nossa fé [Hb 12.2].

Alguém pode dizer: Precisamos dos sinais para crer, assim como Cristo deu sinais para que o povo cresse. Sim. Isso é verdade, o Senhor fez muitos sinais para que acreditassem ser ele o Cristo; “porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” [Jo 20.31]. Sem que houvesse sinais, o Evangelho não seria escrito. Sem o Evangelho, como crer? Sem a palavra, seria possível conhecer a Deus e ter vida? Há de se entender que a nossa dispensação é outra. Não mais Deus fala diretamente com o povo através dos profetas. Nem os milagres são necessários para que creiamos. O Espírito é que nos ensina, instrui e convence a partir do que está escrito: a Bíblia; porque “nós temos a mente de Cristo” [1Co 2.16]. Nada mais é preciso, ainda que Deus esteja agindo, curando, santificando, salvando, segundo a sua providência, como sempre agiu na história, governando o universo. Precisamos da Palavra, do Espírito e da mente de Cristo. Mais nada, para que a nossa fé seja autêntica.

Após a ressurreição, Cristo apareceu aos apóstolos, menos um, Tomé. Diante do relato dos demais, que viram o Senhor, ele proferiu: “Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei” [Jo 20.25]. Novamente, o Senhor encontrou os seus, e Tomé estava entre eles. Cristo lhe disse: “Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé, respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram” [Jo 20.27-29]. Esse relato não está na Bíblia atoa, mas para que creiamos, mesmo sem os sinais, mesmo sem os milagres estrepitosos; por que a nossa própria vida já é um milagre, ainda mais se significar a eternidade ao lado do nosso Senhor. Mas nada disso acontecerá se não formos resgatados das trevas pelo seu poder.

Cristo fez inúmeros milagres, tais como ninguém mais fez e viu, mesmo assim eles foram insuficientes para salvar uma multidão de incrédulos. Mesmo vendo-os, seus corações permaneceram duros, inflexíveis, diante de tão gloriosa salvação. Por que? Primeiro, os milagres não salvam. Segundo, os milagres não nos faz crer em Cristo. Terceiro, os milagres tornam-nos inescusáveis diante de Deus. Quarto, em muitos casos, o homem busca neles a sua glória, não a de Deus. Como Paulo escreveu: “Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” [1Co 1.22-23].

De nada adiantam os milagres e o conhecimento, sem fé. Da mesma forma, de nada adianta pregar a Cristo crucificado, sem fé. Pois ele continuará indignando os que pedem milagres e os vêem mas não foram regenerados; e continuará insensato e extravagante para os que buscam conhecimento sem serem regenerados. Porém, aos que foram, bastará a pregação do Evangelho para, crendo, mesmo não vendo, amar o Senhor, “alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas” [1Pe 1.9].

Nota:

[1] imediático: aquele que é partidário do imediatismo; que cuida absorventemente do que dá vantagem imediata.

Fonte: Kálamos