Tenho meditado e escrito sobre a necessidade da separação entre luz e trevas. Ela ocorrerá a despeito da nossa disposição em tentar conciliá-las. Novamente, fui confrontado pela Palavra de Deus; a bendita palavra revelada pelo Senhor, dada-nos para que, por meio dela e da ação do Espírito Santo, sejamos santificados, e cada dia mais semelhantes a Cristo. Ao final, esse é o principal e, porque não, único objetivo dos crentes nesta vida: ser como é o Senhor. Não por algum mérito que haja em nós, nem por algum esforço nosso, mas unicamente pelo poder e a graça de Deus de nos transformar de miseráveis pecadores em santos redimidos por Seu Filho Amado.
O impacto ao lê-lo foi o de cair e rolar escada abaixo vinte andares até o fosso; foi o de pular do avião sem pára-quedas; foi como se mil floretes perfurassem-me ao mesmo tempo; senti-me tão miserável em toda a minha pecaminosidade que os olhos marejaram, e lágrimas rolaram pelo rosto. A reação foi a de ter os ossos quebrados, esmagados, então, curvei-me, quedei-me contrito, em silêncio, diante da santidade divina, e da minha iniquidade.
Foi quando lembrei-me de Davi: “Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista… Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.3-5).
Foi quando lembrei-me de Paulo: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço… Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.18-19;24).
Estendido por toda a Escritura, a leitura do verso colocou-me no devido lugar: de inimigo de Deus; porque a inclinação da carne é morte, e inimizade contra Ele; não podendo agradá-lO, pois não está sujeito à Sua lei, nem, em verdade, o pode ser (Rm 8.6-8). A amizade do mundo é inimizade contra Deus, e quem “quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4).
Como disse outras vezes, não há tons cinzas na Escritura. Ela é preta e branca. Não há como subir no muro e tentar contemporizá-la, nem mesmo ficar alheio a ela. A verdade, mais cedo ou mais tarde, estará diante de nós; se em Cristo, nesta vida, será para salvação; se no Dia do Senhor, quando julgará a humanidade, na vida eterna, será para a condenação de todo aquele que não crê no Filho como a verdade. Ali não haverá chance de reconciliação. A oportunidade é agora, o dia se chama Hoje, “para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13).
As relações escusas que temos com o mundo e o pecado são as nossas misérias. Ainda que ríamos da manhã à noite; ainda que gozemos todas as benesses que o mundo nos proporciona; ainda que finjamos ser o que não somos, usando o nome de Cristo para a dissolução, para pecar livremente como sinal de blasfêmia; ainda que a nossa loucura nos leve a acreditar em uma eternidade isenta de punição, um mundo em que o deus complacente, criado a nossa imagem e semelhança, perdoará todas as nossas iniquidades sem que haja contrição, como se ele estivesse obrigado, forçado a fazê-lo, sujeitado ao poderio humano; ainda que vivamos um delírio contínuo e continuado, gastando energia, recursos e tempo em nossos constantes deleites; ainda que o sonho nos mantenha entorpecidos, e o medo de acordar nos faça supor que o pesadelo pode ser adiado indefinidamente, contudo, virá inexorável; ainda que se acredite na salvação sem regeneração; tudo isso é motivo de lamento e choro, o qual nos colocará frente a frente com o Deus santo, e toda a nossa imundícia ser-nos-á exibida. Se ao contrário, gastar-nos ainda mais em nossos deleites, o lamento e o choro serão eternos, no fogo inextinguível do inferno. É melhor chorar e lamentar agora, enquanto há tempo, enquanto o dia do Juízo ainda não chegou.
Bem-aventurado quem tem o seu pecado revelado por Deus, se arrepende, e humilha-se diante do Senhor, pois, agindo assim, Ele o exaltará (Tg 4.10). É algo que venho meditando e escrevendo há tempos: o princípio da santidade é a obediência. E obediência significa sujeição, rebaixar-nos diante de Deus. Muitos dirão: mas isso é indigno! Não se deve rebaixar, pois a vontade de Deus é nos exaltar. Essa visão é o resultado do autonomismo. O homem quer ser exaltado sem ser rebaixado, sem ser preciso descair em seu orgulho. Mas não é o que o Senhor nos diz: “Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado” (Lc 14.11); e ainda: “Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte” (1Pe 5.6).
A desobediência, e mais do que ela, a insistência em manter-se rebelde e em oposição a Deus, revelando a arrogância do homem, somente trar-lhe-á uma única consequência: “Deus resiste aos soberbos”. Em contrapartida, Ele “dá graça aos humildes” (Tg 4.6). Aos que querem e acreditam possível servir a Deus e agradá-lO sem sujeitar-se, sem obedecê-lO, sem conformar-se à Sua vontade, alerto: não se engane, nem se deixe enganar, “se alguém cuida ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (Gl 6.3) e, “não erreis: Deus não se deixa escarnecer”, e tudo o que o homem plantar, também colherá (Gl 6.7).
Quase tão imediatamente quanto constatar minha condição iníqua, Deus revelou-Se, colocando-me no lugar em que quis dispor-me: o de amigo, e filho adotivo em Cristo. A tristeza e o choro anteriores do pecador se converteram no gozo e alegria do salvo. Pela graça e misericórdia divina, pelo amor com que amou, compreendi toda a obra de redenção, de transformação, a qual Cristo fez e fazia em minha vida.
Foi quando lembrei-me de Davi: “Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste… Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto” (Sl 51.7-8;10).
Foi quando lembrei-me de Paulo: “Agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8.1).
Foi quando lembrei-me de Cristo: “Pai justo, o mundo não te conheceu; mas eu te conheci, e estes conheceram que tu me enviaste a mim. E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja” (Jo 17.25-26).
Ainda que eu pudesse chorar todas as lágrimas do mundo, nada pode-se comparar com o júbilo e, sobretudo, a gratidão a Deus por ter-me amado tanto, sem que houvesse qualquer coisa em mim digna do Seu amor. Se havia alguma dúvida quanto ao entender o que é a graça divina, ela se dissipou completamente. Foi-me possível entender que toda a vida tem de estar em constante reverência a Ele, e a obediência é o melhor sinal de reverência. Obedecê-lO significa não conformar-se com o pecado, mas odiá-lo com todas as forças; obedecê-lO significa servi-lO, e não servir ao pecado; obedecê-lO significa mortificar os nossos membros da fornicação, impureza, afeição desordenada, da vil concupiscência, e da avareza, que é idolatria; “pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência… mas agora, despojai-vos também de tudo… e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou”, porque Cristo é tudo, e em todos nós (Cl 3.5-6; 8; 10-11).
Por fim, lembrei-me de Pedro: “Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre” (1 Pe 4.11).
Amém!
Fonte: Kálamos